O cancro e a Genética estão indelevelmente ligados: o cancro resulta essencialmente da acumulação de erros no nosso ADN que comprometem o funcionamento das células e as habilitam ao comportamento oncogénico. Assim o estudo destes erros e da “genética” do cancro torna-se essencial ao nosso maior entendimento e abordagem à doença, com aplicações desde a prevenção ao tratamento.
Na área da prevenção existem aos dias de hoje estratégias bem estabelecidas – como o diagnóstico de predisposição genética para cancro familiar, e outras emergentes – como o diagnóstico precoce de cancro através de biopsias líquidas.
A predisposição genética para cancro familiar resulta da presença de uma variante patogénica (mutação) germinativa (presentes nas células sexuais e por isso herdadas e distribuídas por todo o organismo), em genes chaves (importantes para a reparação do ADN, supressores de tumor, oncogenes). A disrupção da função destes genes favorece assim o aparecimento de outros erros e facilita o desenvolvimento da doença.
Estima-se que, globalmente, cerca de 10% dos cancros ocorram nestas circunstâncias. São cancros com maior incidência em idades jovens, com maior risco de lateralidade ou aparecimento múltiplo, comportamentos atípicos e com histologias específicas. O seu diagnóstico permite uma vigilância mais apropriada dos seus portadores, seja pré ou pós sintomas, adopção de medidas preventivas (como cirurgias profiláticas), a identificação de familiares em risco, a adopção de opções reprodutivas (que visam a não transmissão da mutação à descendência).
A decisão para estudo genético de variantes germinativas apoia-se na história pessoal e familiar, mas cada vez mais, também na possibilidade de terapêutica personalizada (possível para alguns genes). Acredita-se no entanto que as síndromes de predisposição para cancro familiar estejam subdiagnosticadas. A Sociedade Americana de Oncologia (ASCO) publicou em Janeiro deste ano recomendações para estudo de variantes germinativas nos genes BRCA1 e BRCA2 (idealmente em painel e com outros genes), a todos os novos casos de cancro diagnosticados ≤65 anos e acima dos 65 anos dependendo de outros factores como a história familiar, histologia, sexo, indicação terapêutica. Estas recomendações englobam assim a maioria dos cancro. Isto contrasta com outras recomendações, tal como as nacionais (PROGO), muito mais restritivas, usando por exemplo o cut-off idade < 45 anos como indicação para estudo para a maioria do cancros de mama (quando a idade é tida em conta de forma isolada).
Com os custos de sequenciação a baixar, diminuição de incerteza dos resultados e aumento da aplicabilidade clínica, a tendência será para um estudo cada vez mais alargado à população.