Publicação: 27/05/2022
As doenças do aparelho circulatório são a principal causa de morbilidade e de mortalidade em Portugal. De natureza multifatorial, as doenças do aparelho circulatório têm como causa principal alterações do perfil lipídico, moduladas por diferentes elementos dos estilos de vida (sedentarismo, exposição ao tabaco ou hábitos alimentares inadequados), pela hipertensão arterial e pela diabetes e por outros não modificáveis, como idade avançada, sexo masculino, história familiar, ou etnia. O diagnóstico das dislipidémias é feito após uma avaliação do perfil lipídico. O perfil lipídico em jejum, colesterol total (CT), Triglicéridos (TG), HDL e LDL deve ser pedido a todos os adultos com idade superior a 20 anos e deve ser repetido a cada 5 anos. A idade de screening sofre ajustes se se tratar de indivíduos com risco aterosclerótico instalado, como nos diabéticos, hipertensos, com hábitos tabágicos, na obesidade, se com antecedentes de doença das artérias coronárias (CAD) precoce em familiar de 1º grau ou se tem colesterol> 240 mg/dl ou uma dislipémia familiar.
A doença coronária está associada a concentrações elevadas de colesterol das lipoproteínas de alta densidade (C-LDL), sendo a atitude terapêutica determinada pelos níveis dessas concentrações, em que em doentes de alto risco deve ser atingido, mediante terapêutica o objectivo de C-LDL< 70 mg/ dL.
Porém, mesmo em doentes com o C-LDL inferior a 70 mg/dL e o C-HDL superior a 42 mg/ dL, a percentagem de eventos coronários agudos é ainda significativa: 29,6% em doentes diabéticos e de 19,4% nos não diabéticos, não sendo possível, apesar das estatinas, evitar este risco residual e impedir a continuidade do processo aterogénico. Neste grupo de doentes, em que predominam a DM II e o síndroma metabólico, os parâmetros laboratoriais clássicos não são suficientes, por si só, para controlar com eficácia os níveis de colesterol. Por outro lado, nos indivíduos como nos doentes com história familiar de dislipémia e nos doentes com “score” de cálcio coronário imagiológico elevado, um perfil lipídico com resultados «normais» não é sinónimo de tranquilidade.
Os métodos de diagnóstico laboratorial têm vindo a sofrer evoluções significativas no que diz respeito à sensibilidade e especificidade para definir os perfis lipídicos. A resposta passa pela utilização da heterogeneidade das lipoproteínas relativamente a diferenças entre a sua dimensão, densidade e composição química, diferenças essas que estiveram na base do aperfeiçoamento da Electroforese das Lipoproteínas em Gel de Poliacrilamida (ELGP).
Esta técnica, é a única que permite isolar e dosear o colesterol das suas fracções e sub-fracções: VLDL; 3 bandas médias C, B e A: IDL, Lipoproteínas Remanescentes e Lipoproteina (a); 7 sub-fracções da LDL: As grandes não aterogénicas (LDL 1 e 2) e as pequenas e densas aterogénicas (LDL 3, 4, 5, 6 e 7). A elevação do colesterol das VLDL está associada com hipertrigliceridémia; a elevação do colesterol das IDL e das remanescentes aumenta o risco vascular; um colesterol aumentado nas sub-fracções LDL 3, 4, 5, 6 e 7 aumenta 3 vezes o risco de doença cardiovascular.
Outra questão evidenciada por esta técnica é o relevo dado ao estudo da hipertrigliceridémia, que se acompanha muitas vezes de partículas altamente aterogénicas, no entanto estas são comuns também em um grande número doentes normotrigliceridémicos (< 150 mg/ dl). Acontece ainda que, na nossa experiência, é frequente encontrar doentes com parâmetros lipídicos clássicos aparentemente normais mas com fenótipos de risco aterogénico acentuados.
Os resultados são apresentados sob a forma de gráficos a cor (As LDL aterogénicas a vermelho, as outras a amarelo, a IDL a roxo a HDL a verde) e cada sub-fracção acompanha-se pela quantidade de colesterol. Cada gráfico é acompanhado de um relatório interpretativo que permite uma leitura imediata e fácil do perfil aterogénico da amostra em estudo, identificando claramente quais os doentes que com doseamentos alterados dos parâmetros do perfil lipídico, podem ter ou não sub fracções lipídicas que lhes confiram risco acrescido de doença cardiovascular.
Figura 1 Relatório da Electroforese das Lipoproteínas em Gel de Poliacrilamida (ELGP) :Identifica até 12 bandas de lipoproteínas que são separadas de acordo com o seu tamanho revelando:1 VLDL, 3 IDLs, 7 LDLs e 1 HDL.
Figura 2. Lipoproteinograma sem sub fracções aterogénicas, apesar de Colesterol Total e Colesterol-LDL, aumentados
Figura 3. Lipoproteinograma, com sub fracções aterogénicas LDL 3, 4, 5 e 6, apesar de Colesterol Total e Colesterol-LDL com valores normais, conferindo a este doente um risco 3 vezes superior de doença coronária
A informação fornecida pela ELPG permite escolher terapêuticas individualizadas, uma vez que diferentes perfis requerem diferentes tratamentos. A esta metodologia é igualmente reconhecido um papel na monitorização da eficácia da terapêutica hipolipemiante com estatinas, já que com a resposta ao tratamento se observa a reversão do padrão.
Figura 4 e 5. Lipoproteinograma revelando a heterogeneidade das sub fracções da LDL, identificando os subtipos LDL 3 a 5, reconhecidamente revelando um perfil aterogénico. Após a instituição da terapêutica com Estatinas o mesmo doente foi reavaliado e revelou o desaparecimento das fracções aterogénicas da LDL evidenciando a eficácia da terapêutica instituída.
É um método preciso, facilmente utilizado em rotina.
O Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa é pioneiro na aplicação desta metodologia ao estudo das dislipidémias em Portugal e desde 2011 tem acumulado uma larga experiência, apresentando-se o estudo das dislipémias como um dos núcleos de excelência da nossa actividade clinico -laboratorial.
Margarida Albuquerque, MD ,Laboratório de Patologia Química Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa