Lúpus
O Lúpus é uma doença crónica, autoimune, em que o sistema imune, que normalmente protege o nosso corpo, vira-se contra si próprio e o ataca, provocando inflamação e alteração da função do sistema afectado.
Não é uma doença contagiosa, infecciosa ou maligna, mas sendo uma doença crónica, não tem cura, podendo existir fases de remissão (em que a doença se encontra “ adormecida”, inativa) que permita a paragem do tratamento por grandes períodos de tempo ou até para o resto da vida, e fases de surto (em que a doença é reativa).
Em alguns casos um período de remissão pode tornar-se permanentemente inativo, ou seja, remissão total, esta é uma situação rara.
Já a remissão parcial (período limitado) é frequente, quase todos os doentes entram em remissão parcial em algum momento da sua vida, sobretudo quando a doença está a ser bem tratada e se cumprem as medidas preventivas adequadas. Os períodos de remissão têm uma duração variável podendo ser de semanas, meses ou anos.
O Lúpus é uma doença multifatorial. Estas causas ou factores são de ordem genética, hormonal e ambiental.
Os factores precipitantes são situações que evidenciam (ou tornam visível) os sintomas de Lúpus, ou seja, fazem com que a doenças se manifeste em sintomas e sinais evidentes como por exemplo, stress emocional, infecções, gravidez, luz solar, luz fluorescente, entre outras.
Quem é afectado?
O Lúpus pode afectar pessoas de todas as idades, etnias e sexo.
No entanto, mais de 75% dos doentes com Lúpus são mulheres, a maioria mulheres jovens entre os 15 e os 44 anos de idade.
As mulheres de cor têm duas a três vezes mais probabilidades de risco de Lúpus que os outros grupos étnicos.
Através de estudos que têm sido realizados, sabe-se que os familiares de doentes com doenças autoimunes ( lúpus, Tiroidite, Artrite Reumatoide, Diabetes tipo 1, Sindrome de Sjogren, Síndrome Antifosfolipidico, …) têm maior probabilidade ou risco de serem afectados por estas doenças, ou seja existe uma predisposição familiar, mas o lúpus não é considerada uma doença hereditária.
Quanto à probabilidade do filho de uma mulher com Lúpus também o ter é de 2%, enquanto nas outras mulheres é de 0,4%.
De uma forma geral “ lúpus “ é utilizado como um termo amplo, mas existem 3 tipos de Lúpus:
- Lúpus Eritematoso Sistémico (LES), pode afectar várias partes do corpo “ lúpus”, incluindo os rins, o cérebro ou o sistema nervoso central, de sangue e os vasos sanguíneos, pele, pulmões, coração e articulações.
- Lúpus Eritematoso Discoide é uma forma de lúpus que atinge só a pele. Discoide significa “em forma de disco” e descreve as lesões cutâneas. Este pode evoluir para LES.
- Lúpus induzido por drogas (lúpus eritematoso induzido por drogas) ocorre como consequência do uso de certas drogas ou medicamentos. Os sintomas são muito parecidos com o lúpus sistémico.
Sintomas
O Lúpus é difícil de diagnosticar porque os sintomas vão e vêm, não estão sempre presentes.
Para diagnosticar o Lúpus, o médico deve ser capaz de encontrar evidência física ou laboratorial da doença, tais como o edema das articulações, proteína na urina, liquido em torno dos pulmões, ou do coração, ou de uma biópsia da pele. O médico irá também olhar para a história médica do doente e testes especiais para excluir outras doenças.
A detecção precoce e o tratamento são essenciais para melhorar a saúde e geralmente pode diminuir a progressão e gravidade da doença.
São vários os sintomas do Lúpus podendo não estar todos presentes ao mesmo tempo, algumas pessoas apresentam apenas alguns deles.
Os médicos usam os “ Onze critérios de Lúpus” da Associação Americana de Reumatologia, para fazer ou excluir o diagnóstico de Lúpus.
No entanto só com um conjunto de quatro, no mínimo, se pode considerar doente de Lúpus:
Os onze critérios da Associação Americana de Reumatologia
- Exantema malar: em forma de borboleta , erupção no nariz e bochechas
- Exantema (pele) discóide: manchas vermelhas
- Fotossensibilidade: erupção cutânea, como resultado da reação incomum à luz solar
- Úlceras na boca ou nariz: geralmente indolores
- Artrite (não erosiva) em duas ou mais articulações, juntamente com inchaço, ou derrame. Com artrite não erosiva, os ossos ao redor das articulações não são destruídas.
- Envolvimento Cardio-pulmonar: a inflamação das membranas que envolvem o coração (pericardite) e / ou pulmões (pleurite)
- Alterações no sistema nervoso: convulsões e / ou psicose
- Distúrbio renal (rim): excesso de proteína e sedimentos na urina
- Alterações Hematológicas: anemia hemolítica, baixa contagem de células brancas do sangue, ou baixa contagem de plaquetas
- Alterações Imunológicas
- Anti ds-DNA, ou
- Anti-Sm, ou
- Anticorpos anti fosfolipido (APL) baseado em:
- Niveis anormais de anticorpos anti cardiolipina IgG ou IgM
- Anticoagulante Lúpico positivo em método padronizado
- Teste serológico falso positivo confirmado para Treponema palidum, durante pelo menos 6 meses
- ANA (anticorpos antinucleares) na ausência de terapêutica farmacológica
O diagnóstico de Lúpus baseia-se em dados clínicos e laboratoriais.
Os testes laboratoriais, só por si, não são suficientes para o diagnóstico. Ou seja, uma pessoa pode ter positiva a análise mais conhecida como associada ao LES (ANA - Anticorpo Antinuclear) e ser sempre saudável. No entanto, em conjunto com os sintomas referidos pelo doente e os sinais observados pelo médicos, são muito úteis.
Nalguns casos o diagnóstico é difícil de obter porque, apesar de se suspeitar fortemente de Lúpus, os dados clínicos nesse momento não são suficientes para fazer um diagnóstico. Nestes casos, só o desenrolar da situação clínica é que nos confirmará a presença da doença. Por outro lado, o Lúpus tem formas de apresentação muito variadas, facto que também pode dificultar o diagnóstico.
As alterações laboratoriais que sugerem Lúpus, são essencialmente:
- Alterações do hemograma:
- Diminuição dos glóbulos vermelhos, também chamados eritrocitos, (anemia) por destruição destes (anemia hemolítica) ou diminuição da sua produção (anemia da doença crónica),
- Diminuição dos glóbulos brancos, também conhecidos como leucócitos, (leucopenia) e em particular de um subtipo específico dos leucócitos: os linfócitos (linfopenia)
- Diminuição das plaquetas (trombocitopenia)
- Alterações dos parâmetros da inflamação:
- Elevação da velocidade de sedimentação (VS)
- Alterações imunológicas:
- Existência de auto-anticorpos (substâncias que reconhecem e atacam constituintes do nosso próprio corpo):
- anticorpos antinucleares (ANA)
- anticorpos anti-dsDNA e anti-Sm
- anticorpos anti-SS-A e anti-SS-B
- anticorpos anti-RNP
- anticorpos antifosfolípidos (anti-cardiolipina, anti-b2 glicoproteína 1,…), muitas vezes associados a tromboses,
- Diminuição de determinados componentes do Complemento (substâncias que atacam e destroem as substâncias reconhecidas pelos anticorpos): C3, C4 e CH50.
Embora todas estas alterações laboratoriais possam existir no mesmo doente, em muitos casos só alguns existem numa determinada fase e num mesmo doente.
Os resultados destes parâmetros devem ser interpretados pelo médico assistente do doente, tendo em conta o contexto clínico.
No diagnóstico inicial devem se realizar as seguintes análises :
- Hemogramas
- Velocidade de Sedimentação (VS)
- Função Renal ( ureia/ creatinina)
- ANA
- Anticorpos anti-dsDNA
- Anticorpos anti-Sm; U1 nRNP;SS-A;SS-B
- Anticorpos antifosfolipidos
- Factores do complemento C3 e C4, e se ambos normais, CH50
- Outros anticorpos com interesse:
- Anti-histona (lupus induzido por fármacos)
- Anti-ribosomal P (manifestações neuropsiquiátricas)
- Anti-nucleossomas
O Lúpus é geralmente tratado por médicos de especialidade de Medicina Interna e Reumatologista. Manifestações específicas do lúpus, como o coração e as doenças renais, podem se tratadas por médicos especializados nessa área.
O objectivo do tratamento do Lúpus é a prevenção do atingimento dos órgãos vitais e a manutenção da doença inactiva, de forma a possibilitar a melhor qualidade de vida para o doente.
O plano terapêutico inclui os fármacos, o exercício e o repouso adequados, a dieta e evitar a exposição à radiação ultravioleta e o stress.
Cabe ao paciente tomar todas as medidas necessárias para minorar os sintomas da doenças e os efeitos dos medicamentos, tendo sempre em conta o equilíbrio em todos os aspectos:
- Evitar a exposição solar (fazendo do uso de filtros solares um hábito diário protegendo a pele da claridade é um preventido a não descuidar)
- Fazer uma alimentação saudável (com poucas calorias para evitar o aumento de peso, e pouco sal para evitar retenção de água no organismo provocando inchaços, sobretudo nos doentes que utilizam corticóides habitualmente)
- A ingestão de álcool deve ser esporádica e o hábito de fumar banido completamente para evitar complicações pulmonares a que estes doentes estão mais sujeitos
- As articulações estão muito sujeitas a inflamações, por isso, não devem ser forçadas e necessitam de alguns períodos de descanso diário, tendo sempre em atenção a postura do corpo.
- Os locais frequentados devem ser arejados e, tanto quanto possível, sem luzes artificiais e componentes ultravioletas (fluorescentes).
- O exercício físico regular pode ajudar a prevenir a fraqueza muscular e fadiga, ajudando o organismo a libertar toxinas.
- A prescrição médica deve ser cumprida com rigor
- Muitos dos doentes com Lúpus necessitam de acompanhamento psicológico.
O Lúpus tem um amplo leque de gravidade, podendo ter complicações muito graves, que exigem atenção urgente. No entanto, as terapêuticas actuais permitem dar à maior parte dos doentes uma boa qualidade de vida.
No seguimento da doença devem ser realizadas regularmente análises clínicas para a determinação de parâmetros de actividade da doença, na tentativa de previsão de uma eventual reactivação. Estas situações podem sugerir uma mudança de estratégia no plano terapêutico.
No controlo da actividade da doença devem se realizar :
- Hemogramas
- Velocidade de Sedimentação (VS)
- Função Renal ( ureia/ creatinina)
- Anticorpos anti-dsDNA
- Factores do complemento C3 e C4, e se ambos normais, CH50
- Anti-C1q para Nefropatia Lúpica
Para evitar um surto Lúpus deve
-
- Fazer consultas de rotina (sobretudo em períodos de maior stress, durante a gravidez, abortos, cirurgias,…) para reavaliar os sintomas, os sinais observados pelo médico e as análises e exames entretanto realizados, no sentido de reajustar o tratamento sempre que necessário.
- Evitar o stress
- Usar protectores solares e vestuário adequado para prevenir a exposição ao sol (que pode desencadear não só surtos na pele mas também surtos em outros órgãos como o rim, o pulmão,…) e evitar exposição a luz fluorescente, raios UV,…
- Repousar adequadamente (sobretudo em períodos de maior stress).
- Evitar esforços físicos exagerados
- Tratar as infecções o mais precocemente possível
- Pedir sempre aconselhamento sobre qual o melhor anticonceptivo oral ("a pílula") evitando os que têm estrogénios em altas doses e a terapêutica hormonal de substituição, usada frequentemente nas mulheres com menopausa. No entanto, os surtos podem ocorrer apesar de todos os cuidados preventidos que se possam tomar, sem razão aparente.
A gravidez e o período pós-parto podem precipitar um surto de Lúpus.
Uma doente com Lúpus e grávida deve discutir com o seu médico assistente os possíveis riscos que correrá durante estes períodos e tentar cumprir as recomendações que o médico lhe indique. A gravidez deve ser planeada e devem recorrer a uma consulta pré-concepcional com um médico obstetra habituado a acompanhar estas doentes.
Alguns medicamentos usados no tratamento do Lúpus não podem ser usados durante a gravidez, o que torna a consulta do médico assistente muito importante, quando a mulher está a programar engravidar ou mal saiba que está grávida.
Sempre que for possível planear a gravidez, esta deve ocorrer num período de inactividade da doença.
Algumas doentes com Lúpus, sobretudo quando coexiste Síndrome Antifosfolípido podem ter alguma dificuldade em engravidar, mas hoje em dia há formas de minorar este problema.